Bilinguísmo em crianças pequenas: separando fato de ficção

por Lauren Lowry (versão em português Suelen Viana)Hanen Certified SLP and Clinical Staff Writer

Nota: “bilingue” refere-se a alguém que fala duas línguas; monolíngue refere-se a alguém que fala uma língua. Versão original em inglês aqui.

Os fatos: O que sabemos sobre bilinguismo

Nosso mundo está se tornando cada vez mais multilingue. Considere algumas das seguintes estatísticas:

No Canada….

  • 11.9 % da população fala outra língua além do Inglês ou francês em casa (1). Em Toronto, 31% da população fala uma língua além do inglês ou francês em casa (2).

Nos Estados Unidos….

  • 21% das crianças em idade escolar (entre 5-17) fala uma língua além do inglês em casa (3). Este número está  Este número deverá aumentar nos próximos anos (4).

Mundialmente, estima-se que…

  • haja  mais falantes de inglês como segunda língua do que falantes nativos (5).
  • haja tantas crianças bilingues quanto há crianças monolíngues (10).

Essas tendências significam que muitas crianças estão sendo criadas como bilingues. Algumas vezes o bilinguismo é uma necessidade, uma vez que os pais da criança podem não ser fluentes na língua majoritária (dominante) falada na comunidade. Portanto, a criança pode aprender uma língua em casa e outra na escola. Mas, algumas vezes o bilinguismo é uma escolha e os pais podem desejar expor seus filhos a outra língua, mesmo se eles próprios não falarem uma segunda língua. Isso pode se dever aos muitos benefícios de ser bilingue.

 Benefícios do Bilinguismo

  • Crianças bilingues são mais capazes de focar atenção em informação relevante e ignorar distrações (7, 8). Para mais informações clique aqui para nosso artigo “Are Two Languages Better Than One?”.
  • Indivíduos bilingues tem mostrado ser mais criativos e melhores em planejamento e solução de problemas complexos do que indivíduos monolíngues (9, 10).
  • Os efeitos do envelhecimento no cérebro de adultos bilingues são menores (7).
  • Em um estudo, o início da demência foi adiada em 4 anos em indivíduos bilingues em comparação com indivíduos monolíngues com demência (10).
  • Indivíduos bilingues tem maior acesso a pessoas e recursos (9).
  • No Canada, taxas de emprego são maiores para indivíduos bilingues em francês e inglês do que para indivíduos monolíngues (7).
  • Canadenses que falam ambas as línguas oficiais tem uma renda media de aproximadamente 10% maior do que aqueles que falam apenas inglês, e 40% maior do que aqueles que falam apenas francês (7).

As vantagens cognitivas do bilinguismo (ex. com atenção, solução de problemas etc) parecem estar relacionadas com a proficiência de um indivíduo em suas línguas (10). Isso significa que quanto mais proficiente uma pessoa é em suas línguas, mais ela se beneficiará (cognitivamente) de seu bilinguismo.

Como crianças aprendem mais de uma língua

A aquisição bilingue pode acontecer em uma de duas maneiras:

  1. Aquisição simultânea ocorre quando uma criança é criada bilingue desde o nascimento, ou quando a segunda língua é introduzida antes dos três anos de idade (10). Crianças que aprendem duas línguas ao mesmo tempo passam pelos mesmo estágios de desenvolvimento que as crianças que aprendem apenas uma língua. Enquanto crianças bilingues podem começar falar um pouco mais tarde que crianças monolíngues, elas ainda começam a falar dentro do normal (11). Desde o início do aprendizado linguístico, bilingues simultâneos parecem adquirir duas línguas separadas (10). Logo no início, eles são capazes de diferenciar suas duas línguas e tem mostrado mudar de línguas de acordo com seus interlocutores (ex. falam francês a pais falantes de francês, depois mudam para inglês com um dos pais falantes de inglês) (12,13)
  2. Aquisição sequencial ocorre quando a segunda língua é introduzida depois que a primeira língua está bem estabelecida (geralmente depois dos três anos de idade). As crianças podem experimentar a aquisição sequencial se elas imigrarem para um país onde uma língua diferente é falada. O aprendizado sequencial pode também ocorrer se a criança fala exclusivamente sua língua herdada em casa até começar a escola, quando a instrução é oferecida em uma língua diferente.

Uma crianças que adquire uma segunda língua nessas condições geralmente experimenta o seguinte: (10)

  • inicialmente, ela poderá usar sua língua falada em casa por um breve período.
  • Ela pode passar por um período ‘silencioso’ ou ‘não-verbal’ quando ela for exposta pela primeira vez à segunda língua. Isso pode durar desde uma semana até muitos meses, e é muito provavelmente um tempo em que a criança constrói seu entendimento da língua (14). Crianças mais jovens usualmente permanecem nessa fase por mais tempo que crianças mais velhas. As crianças podem contar com gestos nesse período e usar poucas palavras na segunda língua.
  • Ela vai começar usar frases curtas ou imitativas. A criança pode usar rótulos de uma palavra ou memorizar frases como “Não sei” ou “O que é isso?”. Essas sentenças não são constructos do vocabulário da própria criança ou conhecimento da língua. São simplesmente frases que ela tem escutado e memorizado.
  • Finalmente, ela vai começar a produzir suas próprias frases. Essas frases não são inteiramente memorizadas e incorporam alguns de seus vocabulários aprendidos recentemente. A criança pode usar uma “formula” no início quando estiver construindo sentenças e inserir suas próprias palavras em uma frase comum como “Eu quero…” ou “Eu faço…”. Com o tempo, a criança se torna mais e mais fluente, mas continua a fazer erros gramaticais ou produzir sentenças que soam abreviadas porque lhe faltam algumas regras gramaticais (ex. *“Eu não fazi isso” ao invés de “eu não fiz isso”). Alguns dos erros que a criança faz nesse estágio são devidos à influência de sua primeira língua. Mas muitos erros são os mesmo erros que crianças monolíngues fazem quando elas aprendem aquela língua.

Ficção: Alguns mitos sobre o bilinguismo

#1. Bilinguismo causa atraso linguístico.

FALSO. Enquanto o vocabulário de uma criança bilíngue em cada língua individual pode ser menor que a media, seu vocabulário total (de ambas as línguas) será pelo menos do mesmo tamanho que uma criança monolíngue (10, 15). Crianças bilingues podem dizer suas primeiras palavras um pouco depois que crianças monolíngues, mais ainda dentro da média normal (entre 8-15 meses) (11). E quando crianças bilingues começam a produzir sentenças curtas, elas desenvolvem a gramática pelos mesmos padrões e linhas de tempo que crianças aprendendo uma língua (5). Bilinguismo por si só não causa atraso linguístico (10). Uma criança bilingue que está demonstrando atraso significante no marco da linguagem pode ter um distúrbio da linguagem e deve ser vista por um fonoaudiólogo.

#2. Quando as crianças misturam suas línguas isso significa que elas estão confusas e tendo problemas ao se tornarem bilingues.  

FALSO. Quando as crianças usam ambas as línguas dentro de uma mesma sentença ou conversa, acontece o que se conhece como “mistura de códigos” ou “mudança de códigos”. Exemplos de mistura de códigos de inglês-francês: “big bobo” (“bruise” or “cut”) ou “je veux aller manger tomato” (“I want to go eat..”) (10). Os pais algumas vezes se preocupam que essa mistura seja um sinal de atraso linguístico ou confusão. Entretanto, a mistura de códigos é uma parte natural do bilinguismo (17). Adultos bilingues proficientes misturam códigos quando eles conversam com outros bilingues e deve-se esperar que crianças bilingues misturem códigos quando falam com outros bilingues (5).     Muitos pesquisadores vêem a mudança de código com um sinal de proficiência bilingue. Por exemplo, crianças bilingues ajustam a quantidade de mudança de código que usam para se adaptar ao seu novo parceiro de conversa (alguém com quem nunca se encontraram antes que também faz mudança de código) (5).  Sugere-se também que crianças fazem mudança de código quando elas conhecem a palavra em uma língua mas não em outra. (13). Além disso, algumas vezes a mudança de código é usada para enfatizar alguma coisa, expressar emoção, ou para destacar o que outra pessoa disse em outra língua. Por exemplo, “ “Y luego él dijo STOP” (espanhol misturado com inglês: “E então ele disse STOP!”) (10). Portanto, a mudança de código é natural e deveria ser esperada de uma criança bilingue.

 #3. Uma pessoa não é verdadeiramente bilingue a menos que seja proficiente em ambas as línguas.

FALSO. É raro encontrar um indivíduo que é igualmente proficiente em ambas as línguas. (16). A maioria dos bilingues tem uma ‘língua dominante’, a língua de maior proficiência. A língua dominante é frequentemente influenciada pela língua majoritária da sociedade na qual o indivíduo vive (6). A língua dominante de um indivíduo pode mudar com idade, circunstâncias, educação, rede social, emprego e muitos outros fatores (16).

#4. Um individuo deve aprender uma segunda língua quando criança para se tornar bilingue.

FALSO. Existe uma teoria chamada “Período Crítico” que sugere que há uma janela de tempo (primeira infância) durante a qual a segunda língua e mais facilmente aprendida. Essa teoria tem levado muita gente a crer que é melhor aprender a segunda língua quando criança. Descobriu-se que crianças mais jovens conseguem uma pronúncia mais próxima da nativa do que outras crianças ou adultos aprendizes de uma segunda língua.  E eles parecem também conseguir melhores habilidades gramaticais que outros aprendizes (10).  Mas outras descobertas têm colocado a ideia de período crítico em questão. Por exemplo:

·         crianças mais velhas (em meados da escola elementar) tem mostrado ter vantagens quando aprendem o inglês acadêmico. A linguagem acadêmica se refere a vocabulário especializado, gramática e habilidade de conversação necessários para entender e aprender na escola (10). Isso é aparentemente mais fácil para crianças mais velhas porque elas aprendem a segunda língua com habilidades cognitivas mais avançadas que crianças mais jovens, e com mais experiência em escola e letramento (10).

·         crianças mais velhas e adultos parecem ter vantagens quando começam a aprender vocabulário e gramática (10, 16, 18).

Portanto, ao passo que crianças mais jovens parecem se tornar mais como falantes nativos a longo prazo, crianças mais velhas podem pegar vocabulário, gramática e linguagem acadêmica mais facilmente na fase inicial do aprendizado linguístico.

#5. Os pais devem adotar a abordagem ‘um pai uma língua’ quando expõem seus filhos a duas línguas.

FALSO. Alguns pais podem adotar essa abordagem ‘um pai uma língua’ onde cada pai fala uma língua diferente para a criança. Enquanto isso é uma opção para criar uma criança bilingue, não há evidência que sugira que esse seja o único ou o melhor meio de criar uma criança bilingue, ou que isso reduza a mistura de códigos (10). Os pais não devem se preocupar se ambos falam suas línguas nativas ou se eles misturam línguas com seus filhos (19), uma vez que se reconhece que as crianças vão misturas suas línguas independentemente da abordagem de seus pais (10). Muitas abordagens podem levar ao bilinguismo. Os pais devem falar com seus filhos de uma maneira que seja natural e confortável para eles.

#6. Se você quer que seu filho fale a língua majoritária, você deve parar de falar a língua de casa com a criança.

FALSO. Alguns pais tentam falar a língua da maioria ao seu filho porque querem que seu filho aprenda essa língua, mesmo se eles mesmos não sejam fluentes na língua da maioria. Isso pode significar que conversas e interações não sejam naturais ou confortáveis entre pai e filho. Não há evidências de que o uso frequente da segunda língua em casa seja essencial para que uma criança aprenda uma segunda língua (10). Além disso, sem o conhecimento da língua materna de uma família, a criança pode ficar isolada dos membros da família que falam apenas a língua materna. Pesquisas mostram que as crianças que têm uma base sólida em sua língua natal mais facilmente aprendem uma segunda língua. As crianças também estão em grande risco de perder a sua língua natal, se não for usada continuamente em casa

Como apoiar sua criança bilíngue

Há muitas formas de apoiar o bilinguismo de uma criança:

  • Faça o que for confortável para você e sua família. Não tente falar uma língua com sua criança se você não se sente confortável ou fluente nesta língua.
  • Não se preocupe se sua criança mistura as duas línguas. Isso é uma parte normal de se tornar bilingue. Dê a suas crianças muitas oportunidade de ouvir, falar, brincar e interagir na sua língua maternal.
  • Se você achar que seu filho ou filha tem algum atraso linguístico, consulto um fonoaudiólogo para que obtenha conselhos sobre a melhor maneira de ajuda-lo/a a aprender mais de uma língua.
Referências (texto original em inglês)

1.     Statistics Canada (2007). 2006 Census: Immigration, citizenship, language, mobility and migration.  Available online: http://www.statcan.gc.ca/daily-quotidien/071204/dq071204a-eng.htm

2.     Toronto.ca. Toronto’s Racial Diversity. Available online: http://www.toronto.ca/toronto_facts/diversity.htm

3.     U.S. Department of Education, National Center for Education Statistics. Available online: http://nces.ed.gov/fastfacts/display.asp?id=96

4.     American Speech Language Hearing Association. The Advantages of Being Bilingual. Available online: http://www.asha.org/about/news/tipsheets/bilingual.htm

5.     Genesee, F. H. (2009). Early childhood bilingualism: Perils and possibilities. Journal of Applied Research on Learning, 2 (Special Issue), Article 2, pp. 1-21.

6.     Paradis, J. (2010). The interface between bilingual development and specific language impairment. Applied Psycholinguistics, 31, 227-252.

7.     Canadian Council on Learning (2008). Parlez-vous français? The advantages of bilingualism in Canada. Available online: http://www.ccl-cca.ca/pdfs/LessonsInLearning/Oct-16-08-The-advantages-of-bilingualism.pdf

8.     Poulin-Dubois, D., Blaye, A., Coutya, J & Bialystok, E. (2011). The effects of bilingualism on toddlers’ executive functioning. Journal of Experimental Child Psychology. 108 (3), 567-579

9.     Center for Applied Linguistics. Benefits of being bilingual. Available online: http://www.cal.org/earlylang/benefits/marcos.html

10.   Paradis, J., Genesee, F., & Crago, M. (2011). Dual Language Development and Disorders: A handbook on bilingualism & second language learning. Baltimore, MD: Paul H. Brookes Publishing.

11.   Meisel, J. (2004). The Bilingual Child. In T. Bhatia & W. Ritchie (Eds.), The Handbook of Bilingualism. pp 91-113. Blackwell Publishing Ltd.

12.   Genesee, F. (2009). Early Childhood Bilingualism: Perils and Possibilities. Journal of Applied Research in Learning, 2 (Special Issue), 2, 1-21.

13.   Genesee, F., & Nicoladis, E. (2006). Bilingual acquisition. In E. Hoff & M. Shatz (eds.), Handbook of Language Development. pp. 324-342. Oxford, Eng.: Blackwell.

14.   Tabors, P. (1997). One Child, Two Languages. Paul H Brookes Publishing.

15.   Pearson, B.Z., Fernandez, S.C., Lewedeg, V., & Oller, D.K. (1997). The relation of input factors to lexical learning by bilingual infants. Applied Psycholinguistics, 18, 41-58.

16.   Baker, C. & Prys Jones, S. (1998). The Encyclopedia of Bilingualism and Bilingual Education. Toronto, Ontario: Multilingual Matters Inc.

17.   Goldstein, B.  & Kohnert, K. (2005). Speech, language and hearing in developing bilingual children: Current findings and future directions. Language, Speech and Hearing Services in Schools, 36, 264-267.

18.   Flege, J.E. (1999). Age of Learning and Second Language Speech. In D. Birdsong (ed.), Second Language Acquisition and the Critical Period Hypothesis. pp. 101-131. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates, Inc.

19.   King, K. & Fogle, L. (2006).  Raising Bilingual Children: Common Parental Concerns and Current Research. Washington, DC: Center for Applied Linguistics. Retrieved October 24, 2011 from http://www.cal.org/resources/digest/digest_pdfs/RaiseBilingChildi.pdf

© Hanen Early language Program (Hanen Programa de Linguagem Precoce), 2016.
Este artigo não pode ser copiado ou reproduzido sem a permissão escrita do Hanen Centre®.

Sobre “The Hanen Centre” 

Fundando em 1975, The Hanen Centre é uma organização não lucrativa de caridade canadense com alcance global. Sua missão é prover pais, cuidadores, educadores da primeira infância e fonoaudiólogos com o conhecimento e treinamento necessários para ajudar crianças a desenvolverem suas melhores habilidades linguísticas, sociais e de letramento. Isto inclui crianças que tenham ou que estejam em risco de atraso linguístico, aquelas com desafios de desenvolvimento como autismo, e aquelas que estão se  desenvolvendo normalmente. 

Para mais informações, por favor visite www.hanen.org.

The Hanen Centre é uma Organização de Caridade Registrada (#11895 2357 RR0001)

Este artigo foi originalmente postado no site Quem vai ler pra mim? O site foi extinto em 2019 e algum conteúdo migrado para este site pessoal. A formatação pode não estar conforme. Para imprimir um copia clique no link abaixo.

6 thoughts on “Bilinguísmo em crianças pequenas: separando fato de ficção

  1. Saudações, Suelen.

    Fiquei satisfeito em alto nível, ao ler o blog Quem vai ler pra mim. Parabéns, pelo conteúdo profissionalíssimo! Agora, já faço parte dos seguidores. Fé em Deus, saúde e muitas conquistas.

  2. Sinto-me muito horada com sua visita e ainda com suas palavras. Muito obrigada!!! Um grande abraço!

  3. Rodrigo, meu querido. Seja bem vindo. Vamos trocar figurinhas. Um abraço e obrigada pela visita!!

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